quarta-feira, agosto 01, 2007


AS METAMORFOSES – I : Joy Division, vinte oito anos depois e eu,



A música que oiço é clássica e o que me interessa anda muitas vezes pelo barroco, maneirismo e período clássico em interpretações HIP – historical informed performances. A paixão segundo Mateus é uma espécie de obsessão, um fetiche e oiço alguma das onze versões que tenho algumas vezes por mês ou como música ‘papel-de-parede’ enquanto trabalho. Já assassinei ‘Mache dichmein Herze rein’ milhares de vezes no chuveiro. Menos a contemporânea, étnica e POP. Menos, mas oiço muito. No carro, a trabalhar, e há coisas boas que vão entrando apesar de a primazia do tema andar longe do entusiasmo adolescente. Como invariavelmente tendemos a reviver, uma e outra vez, as épocas em que fomos felizes com uma coisa, dou comigo a ouvir musica POP dos anos oitenta. Assim, ouvir Joy Divison é uma espécie de epifania renovada, sagrada e irracional. Dei com eles em setenta e nove num rádio Alinco, à janela da cozinha, num dia nublado do meu aniversário. Foi como se ouvisse Deus. O som era absolutamente original, minimalista, circular, avassalador, poderoso e evocador. Para além do lugar-comum ‘gótico-urbano-depressivo’ e o mais que neles quisessem ver, havia a voz fortíssima de Curtis em registo baixo-barítono, ligeiramente desafinada, obsessiva, asténica, ás vezes maquinal, suplicante, viril, meiga, serena e furiosa: ora a voz de um possesso, ora de um iluminado. Como se um deus trágico – um Orfeu operário tocado por uma dimensão metafísica, que falando em línguas através de um rapazinho de olhos azuis alucinados, se enforcou com vinte e três anos. O que é certo é que se tornaram um culto – eu sou um daqueles que os ama irracionalmente ‘Decades’, ‘Transmission’, ‘She´s lost control’ ou os bootlegs das versões ao vivo de ‘Sister Ray’ dos Velvet Underground no meu ‘Still’ em vinil A amante belga, a esquizofrenia, a mulher e filha, as drogas e o visonária dupla Tom Wilson e Martin Hannet e as inspiradas capas de Peter Saville, tudo se compôs para o mito. Ainda o filme Twenty Four Hours Party People. Trinta anos depois, quando quase todas as banda POP fazem lembrar - vezes demais, ao ponto do plágio estéril e descarado - alguma outra de que os quarentões se lembram, reverenciar os Joy Division é obrigatório. Os que o fazem bem, com inspiração e mestria artística existem e são, por exemplo, os Editors, Nationals, Interpol, Kings of Leon e pelo caminho muitos outros dentro das suas lógicas estéticas próprias – os Swans, Red Lowrry, Yellow Lowrry, os Nine Inch Nails, só para referir os que me lembram. Irritam-me, a ponto de trepar paredes lisas acima, os She Wants Revenge. É uma má fotocópia, demasiado descarada para a apreciar.