sexta-feira, abril 30, 2004

A NIGHT AT THE OPERA

Siegfried desmontou do cisne branco e cumprimentou uma valquíria que lhe estava a barrar o caminho. Era uma gordalhufa loira, de tranças, umas mamas tamanho de bolas de futebol e um capacete com cornos, que dava dós de peito enquanto brandia uma lança. Um anão manhoso olhava Brunhilde e dizia “look, Boss! The plane! The Plane!” enquanto a Valhala em peso, liderada por Thor com o seu martelo, embalavam o público com um coro mavioso. Na plateia estava uma velha embrulhada no seu casaco de caraculo a tresandar a naftalina, que roncava e se babava no regalo de arminho. O Secretário de Estado, formado em Gestão pela Universidade Lusófona e que era um autêntico deserto cultural, olhava com ares de entendido, aquela fantástica producção do Teatro S. Carlos. Um senhor que tinha tido um cargo importante na PIDE /DGS e que nas últimas décadas tinha mantido uma certa discrição, agora voltara ao seu velho hábito operático. A barafunda no estacionamento do Camões tinha sido tremenda. Um velho, ao fazer marcha-atrás como SAAB, tinha atropelado uma senhora de 103 anos que vinha à ópera desde o tempo de D. Carlos. O empregado ucraniano bem tentou acalmar os ânimos mas a senhora malhava com a bengala de punho de prata no occipital do velho, com quanta força tinha. –“Facínora! Biltre! Safardanas! Sevandija! Calhorda! Cafageste! (tinha vivido no Brasil, no tempo de D. Pedro). Miguelista! Carbonário! O velho retorquia: - “Broaca! (já se conheciam do Brasil e tinham já tido um desaguisado no asilo de idosos durante a presidência de Getúlio Vargas). Velhaca! Puta! Brochista! Perua!” Um outro senhor de idade, quis manter a dignidade e tentou afastá-los, pois a velha já tinha arrancado o capachinho do velho e preparava-se para lho atafulhar pela garganta abaixo, arrastanto a placa pelo esófago abaixo. – “Vou-me queixar ao Sr. Presidente Carmona!” – Dizia um, enquanto a filha de 80 anos o tentava demover de se imiscuir no desacatao – “Venha lá, pai!....deixe lá isso. O presidente já não é o Carmona…ande lá”. Um deles já estava a bater mal do parkinson e exigiu ao segurança que o levasse a uma Pharmacia, para lhe aplicarem umas ventosas. O farmacêutico quando viu tentou fugir, mas não não teve outro remédio senão aplicar-lhe umas ventosas, umas sanguessugas e ainda lhe fazer uma sangria, uma purga e um clíster.

Acalmados os ânimos lá voltaram ao S. Carlos, onde a Madalena Kosenà já estava agarrada aos cabelos da Angela Georgiu a esgatanhar-lhe as trombas porque se tinham pegado em pleno palco por causa de um ramo de flores. A Georgiu, que quando se irrita, sofre de incontinência urinária, mijava-se pelas pernas abaixo. A urina pingava para o fosso da orquestra entupindo um fagote, um oboé de caça e um corne inglês, pelo que o encore foi cheio de fífias com sons borbulhantes e esguichos de mijo a saltatem nos tutti. O técnico de luzes dava-se na heroína e babava-se na consola. Como resultado o Teatro ficou fortemente iluminado de rôxo, quando os GOE desceram por cordas para o palco para prender os responsáveis por aquela enorme baderna (também eu vivi no Brasil no tempo do Presidente Tancredo Neves, que coitado também era telecomandado como o Papa João Paulo II). Bom. FIM. Bem hajam amiguinhos.



terça-feira, abril 27, 2004

UMA PERSPECTIVA TRANSPESSOAL DO 25 DE ABRIL

Estava eu a aterrar no Funchal o outro dia e a péssima pressurização da areonave, de acordo com o um amigo meu que é especialista em tudo, fez com que o pús e a porcaria gerada pela sinusite tivesse sido sugada para os ouvidos. O resultado foi que fiquei surdo, cheio de dores de ouvidos e completamente entupido. Tinha a sensação de ter um capacete de cimento, para além de ter ficado reduzido ao silêncio e à quase incomunicabilidade. – “ O quê? Diz lá outra vez? Não percebi…” . Andei completamente mouco durante quatro dias. Julgo que explicação será outra. Talvez o foi sugado violentamente pela diferença de pressão não tenha sido pús, mas sim dois pedaços do cortex cerebral, nomeadamente os responsáveis pelo orgulho de ser português. Também depois, saiu tudo agarrado a um par de cotonetes, pelo que tais faculdades cognitivas dificilmente voltarão a ser repostas. O que aconteceu a seguir foi que vi portugueses com um ar enjoado durante o feriado do 25 de Abril, a olhar de lado os cravos, a suspirar e a remoer entre dentes uma saudadezinha encapotada pelo Dr. Oliveira. Tivera o meu pai tido azar e um balázio mais certeiro do PAIGC teria impedido de eu agora vos estar aqui a escrever este desabafo. Se tal tivesse acontecido, a culpa não teria sido nem dos “turras” que não faziam mais do que tinham a fazer, nem do meu pai que não terá ido para a Guiné por amor à bandeira. Pergunto: “Será o 25 de Abril património apenas de comunistas e outros pobres ressabiados esquerdistas que nunca tiveram nada de seu? E os que tinham uma horta e um pinhal esquecido nas serras, ou uma merciaria de aldeia e ouviam o padre amedrontado a exaltar os tormentos infernais dos que não votassem nos PPD ou CDS? Não têm razões para comemorar?

Ao fim e ao cabo, a ideologia de direita resume-se à aceitação assumida que a desiguldade é um facto natural e como tal, devemos preveligiar as ideologias que permitem maximizar o nosso conforto individual. O bem comum resultaria, por um mecanismo de auto-regulação espontâneo, do esforço de cada cidadão de se safar o melhor possível e encarar como “dano colateral” aqueles quem tem de pisar na sua ascenção social. O darwinismo social. Na prática, trata-se de cada um tentar maximizar a porção de recursos comuns, de que se consegue apropriar. “Paciência a vida é assim. Acham que pode ser doutra maneira? Vejam o que aconteceu aos russos!” Tudo se resume ao mais tacanho individualismo. Repito, acho mesmo que tudo se resume a um equivocado e contraproducente individualismo. Na medida em que o que cada um de nós se define também pelo que partilhamos e não apenas pela nossa individualidade mais óbvia (o nosso corpo, os nossos pensamentos, a nossa casa, a nossa família…), tudo depende do que, entre aquilo que nos parece “exterior”, incluimos na nossa noção de “eu”. Em Portugal é vulgar e aceitável ter uma casa bem recheada de mobílias “de estilo” atravancando a sala e também ter as ruas cheias de lixo, montes de entulho, hortas manhosas e barracões por rebocar. Acaso vivemos só em casa? Nos países civilizados propriamente ditos, as pessoas tratam dos outros e das coisas públicas como se deles próprios de tratasse, pois incluem-nas também na sua noção de “eu” pessoal. Isto é, eles têm um auto-conceito, digamos, mais alargado que o nosso. Basicamente existe um gradiente de estreiteza do conceito pessoal de cada cidadão, que é incipiente nos países do sul (porcos, com paises cheios de merda nas ruas, a conduzirem os seus carros amolgados como cães uns para os outros, a matarem-se uns aos outros, etc.), para os países ocidentais do Norte, com espaços exteriores bem arranjados, com estruturas soiciais participativas, com uma economia baseada num liberalismo responsável, etc. Existe um paralelo possível com as fases de desenvolvimento individual desde a infância até ao estado adulto, mutatis mutandis, claro. Óbvio será ver que os pretos são infantis (e as crianças são os seres mais individualistas que existem), os árabes uns pontos acima, os portugueses e outros latinos baixinhos e a escorrer gordura dois pontos acima, o americano médio a um adolescente, para culminar num equivalente dum adulto ocidental europeu e civilizado. “Assento da Sanita, deixa-te de tretas e escreve mas é porcarias”, dirão os dois ou três leitores casuais deste blog. É pós-moderno e politicamente correto invocar o relativismo cultural e esta coisa de ordenar os povos numa escala, desta vez de individualismo infantilóide, é perigoso e quase fascista. Eu sei disso, mas a minha mulher tem uma explicação. È uma explicação bioclimática. É assim, nos trópicos a imagem é de pessoas imersas numa Natureza abundante, onde as mangas e as papaias caem aos pés das pessoas que disfrutam da sombra benévola das árvores. No outro extremo estão, nos países do Norte, os descendentes dos Cro-Mangnon que tiverem que se esgatanhar para sobreviver durante os gelos do Pleistocénico em cavernas e à pancada com ursos. Portanto, trabalhar para aquecer, literalmente. Também isto não é novidade, mas é capaz de andar lá perto…
Eu hoje estou mal disposto e a preguiça impede-me de escrever mais. Também, não precisam de ler isto.

O vosso criado.

Assento da Sanita.

P.S. Ilustro este texto descabido, pomposo e algo ridículo, com a foto de um rapaz que percebeu a verdadeira Essência da Vida, as coisas simples, as flores, o céu azul, e principalmente o sorriso da criança que todos temos dentro de nós. Deus te guarde, Amigo.



terça-feira, abril 13, 2004

O MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE SOCIAL SONHA COM OVELHAS ELÉCTRICAS?

Andava à procura da função de somar na minha calculadora CASIO 9000-C mas não encontrava. Entre os sistemas de equações integro-diferenciais e uma tabela de de Marés de Saturno, estava completamente baralhado. Para mais tinha que usar uns óculos 3-D para conseguir ver as simulações em movimento da evolução das cotações da Cimpor através da ligação wireless e estava a começar a fartar-me. Como estava ressacado da noite de bebedeira no Astro-Procópio não conseguia focar bem os olhos. As remelas, o terçol e a caspa das pestanas também não ajudavam. Dave Antunes, “és um bêbado incorrigível” – Pensei. Voltei-me para a velha máquina de escrever Messa. Tinhas teclas com whisky coalhado e restos de pizza Margherita em cima do M e do Z. A velha ventoinha rodava dentro da sua gaiola de arame e agitava o calendário da Cicciolina no painel de cortiça atrás da minha cabeça. Voltei a pôr os pés em cima da secretária. Era assim que meditava melhor. Quem teria arrefecido o céu-da-boca ao cyborg Satan-27-XPTO naquele bar frequentado por hackers perseguidos pelas autoridades do Governo Federal da Europa? Cofiei a barba de três dias. Uma voz sintética brasileira vinda da calculadora avisou-me que tinha o imposto municipal em atraso e que já não me confessava havia uma semana. Teria uma multa de duzentos créditos se não me dirigisse de imediato a uma cabine de confissão. Puta que os pariu. Fiz as malas e meti-me num jacto-taxi e fui para o Astroporto. O cyber-taxista tinha sido fabricado pela Taurus com um up-grade Molinex e falava espanhol pelos cotovelos. Um velho cargueiro sub-luminar com um arcaico motor de hadrões de anti-matéria que iria demorar uma semana tinha escala em Io. Calhava bem. Era mesmo para lá que eu ia. O comércio de poderosas drogas halucinógénicas sintéticas era controlada pelo cartel dos mutantes ioianos. Ia ter problemas. Mas ia-me saber bem deixar para trás o sol abrasador e calor infernal de Helsínquia. Nuvens geladas de metano assolavam a velocidades ciclónicas a colónia de Io. Metade do céu era ocupada pela sombra opressiva, lenta e colorida de Júpiter. Entrei num bar mal frequentado, o Solaris Grill. Uma cyber-puta sugava com gula os dois membros viris de um polícia cipaio mutante com as suas duas bocas de lábios carnudos verdes e com turbo-sucção adaptadas dum aparelho de ordenha que só parava aos cinquenta litros. O polícia nem sabia o que o esperava. Pedi um licor de groselhas azuis de Ganímedes. Não tinham. Só aquele álcool com cheiro a querosene que destilavam ali mesmo. Venha. Também morre. Num monitor sujo e gasto, a Ministra Manuela Ferreira Leite, cuja vida tinha sido prolongada trezentos anos, anunciava as novas medidas draconianas de contenção da despesa pública. Os tubos de soro e a cyber-algália e a arrastadeira neuro-biónica que arrastava sempre consigo agitavam-se com a veemente intervenção. Lá ia conseguindo manter uma postura de Estado com a ajuda dos transplantes de órgãos. O fígado tinha sido doado pelo Miguel Sousa Tavares, por exemplo. Nisto, um cigano que vendia alcatifas e que era um hacker da matriz afinal de contas, sussurrou-lhe ao ouvido. Tinha passado muito tempo na fábrica de Coca-Cola de Bagdad e falava uma mistura de árabe com servo-croata e minoico linear B, mas consegui perceber que era melhor sair dali. Assim fiz. Pus-me na alheta mas barraram-me a passagem à porta. Era o cyborg Satan-27-XPTO! Fiquei atónito pois pensava que ele tina sido irradiado pela patrulha lá em baixo. Perguntou-me se eu não queria ir para um canto mais tranquilo, pois tínhamos que falar.
-“Tenho um problema grave. A pilha está-se-me a acabar.”
-“Dizes isso metaforicamente.”- Atalhei.
- “Não. Está-se mesmo a acabar. – Disse o engenheiro de recolha de lixo num tom cabisbaixo.
Aproveitei para lhe sacar a placa da mother-board sem ele estar à espera.
- “Dave… Stop, Dave. (…) . I am dying. (…) I’m afraid”. – Disse lentamente.
Sempre soubera que tinha sido ele o assassino do cyber-Ministro Bagão Félix-K2 recheando-lhe o cyber-ciganito com E- 605 forte, lá na casa de Elvas.

FIM



terça-feira, abril 06, 2004

LEITOR

A sandes de tofu estava mesmo ali a olhar para mim. Dei uma dentadinha e saboreei aquela soja transgénica, irradiada com raios gama e cheia de pesticidas e fertilizantes que poluíram com nitratos não sei quantos aquíferos por nem sei quantas centenas de anos. Para não falar da fauna que se extingui porque lhes destruíram vários milhares de hectares de floresta tropical para plantar a soja. Do frigorífico do Celeiro escaparam-se vários litros de CFCs e para a manter fresquinha e no transporte para cá o óxido nitroso que escapou para a atmosfera e mais os metais pesados, foram-se alojar nos ossos duma criancinha de Chelas que mora ao lado da via rápida, para lhe provocar um cancro na medula daqui a uns anos. Fora o dióxido de carbono que saiu do escape e foi directo para contribuir para o efeito de estufa, derreter as calotes polares e obrigar os habitantes das Ilhas Caimão a irem trabalhar nos off-shores para outra freguesia. Os estrogénios da soja talvez provocassem infertilidade se eu fosse uma mulher, mas como não sou, isso pouco me importa. Custa-me muito, vender cachimbos de fumar ganza feitos em barro e máscaras de couro ali no Chiado para sacar estes cobres com que compro o tofu, o que é que pensam? Mas isto é só uma fase, porque o meu pai, quando eu saí de casa, a semana passada, ameaçou-me (mas não cumpriu e ainda bem) cortar-me a mesada. É que nós somos Seres de Luz com uma missão temos que ter compaixão para com os cotas. Bom, tenho que me despachar porque tenho um sit in para protestar pelo consumo de carapaus abaixo das dimensões autorizadas pela Comissária Wülf-Mathies, nos restaurantes de Setúbal. Que mundo vamos deixar aos nossos filhos?


PASSIO DOMINE JESUM CRISTHE SECUNDUM ASSENTUM SANITAE
(Um conto de Páscoa)

Um judeu barbudo, cabeludo e andrajoso andava a tentar convencer pessoas honestas e trabalhadoras a deixar de trabalhar. Um deles que era pescador, passou a dedicar-se à prostituição masculina e a “pescar” homens. O barbudo e cabeludo era mais leprosos. Talvez fosse para se aproveitar deles e sacar-lhes o guito das esmolas. Mas aquilo era de família. Ele tinha um primo, o João dos borregos, que não era assim muito certo e até já tinha ido parar à prisão. Davam-lhe umas coisas, uns ataques, ouvia umas vozes e lá ia ele para o deserto perseguir e comer gafanhotos. Uma vez meteu-se lá com uma gaja meio apanhada e ficou sem a cabeça. A gandulagem que andava com o cabeludo também se metia com os magalas. – “Ai filho, tens uma lança tão grossa e comprida…”. Depois, à corja de moinantes, juntou-se uma gaja da vida, a Madalena. Passava a vida chorar e a lamentar-se para ver se sacava uns cabritos. O chefe da esquadra, chamado Pôncio, já andava um bocado farto de aturar o pessoal lá do bairro que se queixava de insegurança nas ruas e dizia que já não se podia sair à rua porque estava tudo coalhado de judeus. Era-se enganado no peso nos mercados, as pitas era só alface por baixo, e os restaurantes aviavam casamentos e bar mitzvahs a toda a hora. A culpa devia ser dos cabeludos e daquelas gajas desdentadas que andavam com eles. “No tempo do Herodes é que era: andava tudo na linha”. Um dia juntaram-se uns quantos numa milícia popular e caçaram os moinantes que estavam a partir choco, bêbados, num sítio chamado Monte das Oliveiras, onde tinham posto uns cartões e uns bocados de alcatifa para dormir. A Madalena estava a sugar com gula o membro viril dum cabeludo em troca de uns pozinhos que vinham numa pratinha. – “Alto e para o baile! Ninguém sai daqui até vir a autoridade!”
Um soldado virou-se para um deles que se estava a refundir atrás duma oliveira, o Pedro e disse: - “ouve lá, tu também és amigalhaço aqui do “dealer”, não és?” Ele disse que não que não conhecia o homem e que até era amigo do Judas que era bufo e andava a meter tudo o que se passava com esta cena do cavalo, no cu da bófia. Os pacotes de cavalo estavam ali metidos num buraco duma oliveira. O cabeludo acabou por ser crucificado e apesar de ter tentado chamar em seu auxilio Leli Deus, o chefe dos ciganos “Leli leli lama sabctani” – o que ninguém percebeu porque era aramaico e não lhe serviu de nada. Fodeu-se.

FIM