MEMÓRIAS DE UM GERONTÓFILO
Cena I
Era uma vez um pobre funcionário da Tesouraria do Bairro Fiscal nº 3 que andava com uma certa desalma. Este estado de espírito corresponde a um descontrole na urgência de aliviar-se sexualmente. No entanto, tal condição pode agravar-se a ponto de tolher o discernimento ao cidadão mais digno. Tem que ser. E de qualquer maneira. A telefonista da repartição, já avançada em anos, era a D. Ermelinda. Tinha um cabelo ralo, mas meio armado com laca e de tom arroxeado com as raízes brancas já longas, denotando algum desleixo no cuidado capilar. O xaile com borbotos, a placa meio-solta, , cheirar a suor e o facto de cabecear em frente ao PBX todo o santo dia, não dissuadiam Hélder, o funcionário, dos seus intentos libidinosos. Tinha costelas com vibrações, a cabeça fugia-lhe constantemente para os devaneios venais mais sórdidos, tinha ataques de priapismo que duravam horas. Meteu-se-lhe na cabeça que havia de praticar um anulingus com a telefonista, a D. Ermelinda. Também tinha pensado em praticar o clíster com pelo menos 10 litros de água de cozer pescada. Propôs-lhe um almocinho romântico na cantina do Ministério. Quatro euros e meio. Passou o almoço todo a fazer-lhe olhinhos e ela a pigarrear, a puxar o catarro e a coçar-se furiosamente.
-D. Ermelinda. Eu sou um homem solitário. Gostava de a conhecer melhor. Sei que é viúva…deve sentir-se sozinha, não? Eu gostava de lhe mostrar uma nova forma de amor, sabe?
- Diga lá, Hélder. – Disse ela num tom complacente.
- Gostava de lhe enfiar a língua no esfíncter anal.
- Pois. Olhe, se quiser vamos ali para trás e vocemecê faz-me isso. Aviso já que não me lavo há três semanas. Foi por causa dos oxiúros e da Joana. Tenho medo que corte o efeito do remédio. Já me chegou a diarreia de esguicho, o outro dia e os pruridos das fissuras.
-Ah. Não faz mal, querida…- Disse dengoso.
-Está bem. Vamos lá. Mas aviso já. Acho que estou com o período.
- Com essa idade?
- Pois. Se calhar não é. Deve ser o quisto hidático que rebentou. Passo a vida neste fado. Aos pobres acontece tudo.
- Olhe lá, docinho. Afinal quem é a Joana?
- É a ténia. Vai saindo aos bocados. É uma seca. Tenho ali alguns num frasco de alcool canforado. Quer ver?
- Quero.
Os pedaços já meio desfeitos e com restos de fezes boiavam num líquido amarelado dentro de um frasco de Carpex.
- Acho que só ainda saiu um bocado. Sinto ainda a tripalhada ás voltas.
- Vá à Missa que isso resolve-se.
- Boa ideia, Hélder. Olhe, mas agora tenho que ir dar de corpo. Desculpe lá. É do remédio para o colibacilo.
- Ah. Mas olhe. Volte depressa.
- Volto, volto. Nem me vou lavar por baixo nem nada para ser mais depressa. Também, não ia fazer diferença nenhuma. Eu precisava era dum safa-calos para ir raspando esta crosta, senão qualquer dia não consigo verter águas.
Nisto, arreou um valente peido.
- Com licença.
Cena II
Na missa, estava toda a gente à espera que o Padre João chegasse e algumas velhas iam pondo as orações em dia. Ermelinda arrastou a algália para o confessionário e sentou-se. Por descuido sentou-se em cima da algália que estava cheia e aquilo voltou a entrar tudo para dentro outra vez.
- Ó Sr. Padre, queria-me confessar mas tem que ser depressa porque estou aqui com a bexiga a rebentar.
- Minha filha, se quiser ir aos lavabos é lá atrás, na sacristia. Pode-se lavar por baixo, se quiser.
- Não tem antes umas toalhinhas Dodot?
- Não. Tenho o meu lenço de assoar. Já está usado, mas serve, não serve?
-Serve.
- Vamos aos que interessa. Anda um rapaz interessado em mim.
O padre engasgou-se e tossiu aflito durante um minuto.
- Desculpe.
- Não faz mal. É um rapaz novo e até tem posses. O pai deixou-lhe poços de petróleo e minas de diamantes na África do Sul.
- Estou a ver.
- Não a preocupa a diferença de idades?
- O Amor é superior a essas contingências. Até já ando com o pito aos saltos. Ontem meti uma pirâmide na cenaita.
- O pirâmide? Na cenaita?
- Sim. Daquelas feitas com restos de outros bolos, com um bocado de creme de mantega na ponta. Mas primeiro lambi o creme. Quer dizer. Lambi o creme depois de a tirar da cenaita.
- O filha, “cenaita” não. Er…vagina.
- Isso. Na angina. Por acaso isso faz-me lembrar que tenho que tomar os comprimidos para o coração.
- Dê-me uns a mim também, que não me estou a sentir bem, D. Ermelinda – Disse o sacerdote.
- Tenho aqui umas pastilhas que a minha bisneta costuma levar para a discoteca.
- Não se incomode.
- Eu costumo tomar uma de manhã ao pequeno almoço, outra à noite ao jantar.
- Mostre cá isso. Bem me parecia. Isto é droga! Entorpecentes! Euforizantes! Psicotrópicos!
- Foi o Lello que me me vendeu. Não tinha troco, uma vez que lá fui comprar uma Última Ceia fluorescente e com luzinhas a piscar.
- Vai-me desculpar, minha senhora. Mas agora tenho uma missa para aviar. Pode ir e quanto ao seu rapaz, Deus vos abençoe.
- Obrigada, Sr. Prior.
- Eu não sou Prior.
Cena III
- Hélder, já comprei as alianças.
- Er… Bom, não queria pôr o carro à frente dos bois…
- Sem casamento não há anulingus.
- Hélder engoliu em seco e disse:
- Está bem.
- Pela Igreja e comunhão total de bens,
- Está bem.
- Vá. Enfia-ma aí nas hemorróidas. Desculpa a pouca limpeza.
FIM
CONTOS DO ASSENTO DA SANITA
CONTRIBUTOS PARA O DESCALABRO DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL Façam o favor de consultar os arquivos, que também têm páginas de rara e intemporal beleza. O vosso, Assento da Sanita.
sexta-feira, outubro 29, 2004
segunda-feira, outubro 11, 2004
RECEITUÁRIO LUSITANO DE COZINHA E COPA
[Ao Belo, Belo Menir].
As receitas do Tio Assento.
Um consomé de água de depenar galinhas.
Um paté de cigano (1)
Uns pipis de morto com seis meses de cemitério.
[Parece que na China os fetos humanos são apreciados como delicatessen culinária e traficados pelas parteiras. Como adaptação à cozinha portuguesa, o Assento propõe o seguinte]:
Uns fetinhos com todos. (2)
Uns fetinhos com tinta à algarvia (3).
Uns fetinhos a murro (4).
Fetinhos da horta (5).
Feijoada de fetinhos *.
Fetinhos na pedra*.
Sashimi de feto.(6)
Uma tarte de resíduos hospitalares.
Licor de sarro dos lavabos da Estação Ferroviária da Damaia, suor e pêlos.
Café: um abatanado.
(1) Receita: tome-se um cigano que não se lave amiúde e raspe-se a patine de esterco para um passe-vite. Adicionar manteiga, óleo, azeite e banha de porco corada com pimentão. Temperar a gosto.
(2) Receita: lavam-se bem os fetinhos para tirar os restos de mecónio e placenta. Cozem-se os legumes à parte. Temperar com azeite e vinagre.
(3) Numa caçarola pôem-se os fetinhos com azeite e alho. Frita coberto com a tampa até secar a água.
(4) Estufar os fetinhos até ficar com a crosta estaladiça. Esmagar com um murro. Servir.
(5) Substituir os feijões verdes por fetinhos e ver no livro da Maria de Lurdes Modesto o resto.
* Dispensa receita.
(6) Delicados filetes de fetinhos frescos, crus, que acompanham com farrapos de nabo crú. São passados por mostarda wasabe diluída em molho de soja.
Bom apetite.