UMA HISTÓRIA SIMPLES
Ao Parru
A imensa planície do Maine, extensa de campos e pastagens é apenas cortada por uma ou outra cerca, ou caminho vicinal, sob o céu cinzento. Rectângulos verde-escuro da aveia. Rectângulos castanhos das folhas em pousio; rectângulos verde-claro do azevém. Rectângulos amarelados do restolho do trigo. Uma única árvore solitária agitada pela brisa de Outono. Mimosa tem uma ideia muito ténue de o dono a ter levado para pastar ali. Mas lá ia mascando sozinha, a erva fresca, enquanto sacudia as moscas com a cauda. Era uma produtiva Frizean-Holstein, de úbere generoso e rosado. Tivera um vislumbre de existência quando viu uma foto, talvez sua, numa lata de leite condensado deitada fora no meio da pastagem viçosa. Seria ela? Ou uma qualquer vaca? Não são todas as vacas uma mesma vaca? Deu mais uns passinhos vagarosos em direcção a um tufo mais denso.
-“Desculpa a interrupção. Sou o autor.Um gajo que finge chamar-se Assento da Sanita e que está a criar um texto sobre uma vaca num portátil Asus made in Taiwan.
- “Sim. E eu uma vaca fictícia que está a falar contigo. Topas?
-“Deixa-te de ares senão eu trato-te do canastro. Sou o teu Criador. Quem dita as regras sou eu. Pode ser que te lixes.”
-“O que é que querias? Que me prostrasse em adoração, Ò Criador! Tu queres é que os pacóvios que lerem isto achem que “ele até me faz lembrar, assim o Jorge Luís Borges, com aqueles trocas de registo, bla´, blá, blá”…Haja saco. Fanchono.”
-“Estás a passar das marcas. Vou-te mandar para o caralho. Puta de vaca.”
-“Quero lá saber. É tudo só na tua cabeça. Estás para aí sozinho. Vai mas é trabalhar, que eu bem sei que és funcionário público.”
-“Isto é demais. Está decidido. Vai-te mas é com os porcos. Não querem lá ver. Porra para isto”.
Apenas um leve sussurro surdo antecedeu o silêncio que se seguiu. Uma revoada de estorninhos ao longe e um redemoinhar da brisa nos freixos, como acontece mesmo antes de chover. A vaca olhou os leitores com aqueles olhos grandes e engoliu erva. O bolo alimentar passou da boca ao esófago, ao barreto, ao folhoso e…BUUUUUMMMM!!!!!... Uma apocalíptica explosão rebentou-lhe na pança, atirando pedaços de tripa, pele preta e branca, pedaços do úbere cor-de-rosa com uma tetinha agarrada, um corninho, duas vértebras ainda com pele ás pintinhas agarrada, um fígado e baldes e baldes e baldes de sangue, em todas as direcções, centenas de metros em redor. Os pedaços da vaca fumegante pulsavam no prado ainda quentes. Silêncio. Um pedaço de colón recheado de bosta, que tinha subido na vertical uns setecentos e tal metros, acabou por cair atrasado com um “ploc”mesmo junto à cerca de arame.
FIM.
CONTOS DO ASSENTO DA SANITA
CONTRIBUTOS PARA O DESCALABRO DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL Façam o favor de consultar os arquivos, que também têm páginas de rara e intemporal beleza. O vosso, Assento da Sanita.
quarta-feira, fevereiro 25, 2004
QUOD SCRIBIT TALIA SORDIDA VERBA?
Ao Vareta Funda
Não concordam as versões da Vulgata Latina nem as versões gregas mais antigas com origem na chamada Bíblia dos Setenta, se teria Jesus, ou não, usado cuecas quando foi crucificado. Por um lado, não parece verosímil que fosse para o Gólgota de slips colantes semitransparentes Abanderado, pois apesar de observar restrições no que concerne às alegrias naturais, não parece que fosse fanchono. Aqueles trapinhos, mais ou menos andrajosos e sebentos, julga o A., que talvez também seja excesso de zelo dos artistas maneiristas. O mais plausível até, é que fossem umas truces daquelas com um reforço de flanela destinado a receber descuidos mictórios e a esconder as manchas amareladas que pudessem transparecer quando o Senhor fosse aliviar os apertos urinários no Monte das Oliveiras. Estas truces e, neste ponto as fontes são incertas, talvez já fossem usadas no Império Romano desde o senado de Diocleciano, que de acordo com um manuscrito copta do século III, era também o que Jesus preferia, podendo certamente, por vezes, preferir andar com as miudezas ao badalão debaixo da túnica. Numa de natural, enquanto mascava umas barras de sésamo e arroz biológico. Mas não nos parece que fosse assim tão descomposto para o Calvário. Defendem certos lobbies culturais modernos – que Jesus usava fio dental, assim tipo Ney Mato Grosso – mas talvez se tratem pura e simplesmente de intelectuais invertidos a puxarem a brasa á sua sardinha. Porque os há e muitos. É uma corja de paneleiros que pretende, tão só, denegrir a imagem do Cristo.
Dizia S. Tomás de Aquino, “que nisto de truces cada um é como cada qual e ninguém tem nada a ver com isso e a vida são dois dias e o que é preciso é saudinha” [haec trucibus pulchrus Jesum non habet et falum giganteum habet pendebat crucem plus minusve insalubris et cum chatibus maxime in colhonibus hirsutus; Civitas Dei, II (2): 341]. Destas questões pertinentes não dá qualquer acordo S. João da Cruz que declara “Se Jesus tinha uma quebradura [not. trad. arcaísmo para “hérnia”], (...)por isso teria de usar uma funda para segurar a tomatada” [Jesum fundae habet quod lycopersicae cum humungus quistus hidaticus horribilis et purulentus ehxibit]. Está, portanto, qualquer crente em ânsias de ver esclarecida esta insidiosa dúvida teológica. A única fonte fidedigna e passível de iluminar os espíritos dos cristãos hodiernos é Simão, o criado de quarto de José de Arimateia, que ao que consta, presenciou o suplício do Redentor enquanto descabelava o palhaço atrás da cruz. Os frades Capuchinhos de Beja traduzem um texto em aramaico descoberto em Qumram, no Mar Morto: “E quando o genro de João acenou com a mão esquerda a Pedro e este pôs a dele na anca e disse – na casa do Senhor logo à noite e traz sebo da unção do Senhor porque ando a evacuar duro e isso que me propões, a menos que me dês trinta dinheiros, é como evacuar mas ao contrário e disse João - pelo zephirah do Nazareno eu juro que é verdade (…) disse João ao genro, que era filho de Absalão, que gerou a Elias, cunhado de David, que jogara ás cartas com Tiago, amigo dos moabitas (ilegível) …; (…) cor-de-rosa com lacinhos (….) com pegamassos de esperma seca, amarelo à frente e castanho atrás.” Zephirah, traduz Abraão de Varsóvia, o grande rabino e cabalista do século XVIII, quer dizer, afiança, “baby-doll”. Pois bem, parece evidente que Jesus usava um baby-doll cor-de-rosa com lacinhos, cheio de pegamassos vários com origem orgânica quando foi crucificado. Não tranquiliza este facto histórico solidamente estabelecido, os espíritos mais inquisitivos?
FIM
“Descimento da Cruz “ na capela de Santa Felicitá, Florença, de Jacopo Pontormo (1494-1557), demonstrando o uso generalizado de lingerie em tule cor-de-rosa e azul-bébé, pelos personagens do Novo Testamento.
quinta-feira, fevereiro 19, 2004
A PIOR MERDA QUE JÀ ESCREVI – PARTE II ou “ONDE É QUE PÚS O LÍTIO?”, parte II
[Dedicado ao Belo Menir e ao Velho da Zundap]
"Destes quatro Maha-Vakyas, o Tat Tvam Asi é de grande importância. Ele é chamado de Upadesha-Vakya ou Upanishad-Vakya. O Guru inicia o discípulo dentro do Brahma-Jñana apenas por intermédio deste Vakya. Isto é chamado, também, de Sravana-Vakya. Este Maha-Vakya desperta-ns os outros três Vakyas.
As instruções que o Guru dá ao discípulo são trazidas na lembrança do Tat Tvam Asi “Vós sois Este"
Do Rig-Veda
Na minha infância éramos muito pobres. Ao almoço comíamos trinca de arroz com guelras (prato de peixe) ou trinca de nervos de bife com sebo das botas (prato de carne). O pior era depois, que nos borrávamos todos na latrina turca lá de casa, fruto de tão repetitiva dieta. A experiência sexual mais estimulante da minha mãe era o meu pai vomitar-lhe em cima quando chegava bêbado a casa. Os meus irmãos roubavam. Quando fui para a tropa o meu pai ofereceu-me um par de sapatos, pois andara a poupar durante dezoito anos o parco salário de ajudante de coveiro. Disse-me: - “Filho, não queiras ser como eu. Não te vistas de mulher à noite para ir a bares manhosos de camionistas na beira da Nacional 1.” Disse-lhe que sim, que nunca esqueceria o seu sábio conselho. Um dia cheguei ao meu quarto e vi uma luz rosada vinda de um canto. Era Nossa Senhora. Foi a primeira vez que a vi. Tinha uma túnica branca e calçava sapatos e disse-me para ir cavar junto à oliveira lá do quintal pois encontraria uma medalhinha do S. Cristóvão. Cavei, cavei, cavei e nada. O Diabo andava por ali e aproximou-se de mim com falinhas mansas.
-“Olá menino. Então porque cavas tu?”
-“Procuro uma medalhinha do S. Cristóvão. Foi a Nossa Senhora que disse.”
-“Ah… Se me deixares ajudar-te posso transformar-te num homem rico.”
-“Está bem.”
E o Diabo ajudou-me a cavar e cavámos tanto que até que fomos parar à Nova Zelândia. Na Nova Zelândia havia muita gente, sempre bêbeda, a tosquiar ovelhas. Nas latrinas de Wellington havia um santo homem – o yogi Swami Venadanta Prabuphada Pradesh, que pedia pennies aos utentes, num pratinho.
-“Nobre senhor, dais-me um pennie?”
Os utentes esbugalhavam os olhos mas lá iam dando os seus pennies. Havia pennies maiores que outros mas para o homem santo eram todos iguais aos olhos de Deus. Pennie a pennie encheu o Swami a barriga. Um dia apanhou tal barrigada de pennies que teve que fazer uma lavagem gástrica. Quando assumi o meu posto de sub-ajudante de guarda latrinas da Royal Sanitary Trust of New Zeland vi o meu guru pela primeira vez e prostrei-me perante ele. Ele disse-me que se havia alguém ali que se punha de rabo para o ar era ele e não eu. Tive que dar o meu único pennie ao manifesto a bem do progresso espiritual da humanidade. Sugou com gula. Sim, ele tinha o hábito de sugar com gula os pennies que lhe davam. Mesmo que tivessem tártaro fermentado nas recônditas pregas do prepúcio. E se os havia.
Emigrei para a Argentina. Ah! As frescas noites portenhas. Andava-mos todas as noites à facada e dançava-mos o tango. O swami veio comigo como moço de fretes para se mortificar. E foi por me ter saído a lotaria, por completo acaso, que me tornei um homem rico. Foda-se. Vá lá, comentem lá este post, vá.
FIM
O Autor, Sri Assento da Sanita Vivekananda
O yogi Swami Venadanta Prabuphada Pradesh
quarta-feira, fevereiro 18, 2004
CEBOLA
Para dar descanso ao cinismo, aos padres, ciganos sebosos, velhos malcriados e quejandos, enfim, o fel que por vezes até nos chega a envenenar, deixo-vos este poema de Pablo Neruda que me foi dado a conhecer na cantina de uma universidade nas Canárias, o ano passado, pela mão de um amigo. Desculpem a tradução impromptu, mas é o que se arranja.
Assento da Sanita.
“Ode à cebola
Cebola
Luminosa redoma
pétala a pétala
cresceu a tua formosura
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra escura
se foi arredondando o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
foi o milagre
e quando apareceu
o teu rude caule verde
e nasceram as tuas folhas como espadas na horta,
a terra acumulou o seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar remoto
duplicou a magnólia
levantando os seus seios,
a terra
assim te fez
cebola
clara como um planeta
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
das gentes pobres.
Generosa
desfazes
o teu globo de frescura
na consumação
fervente da frigideira
e os estilhaços de cristal
no calor inflamado do azeite
transformam-se em frisadas plumas de ouro.
Também recordarei como fecunda
a tua influência, o amor, na salada
e parece que o céu contribui
dando-te fina forma de granizo
a celebrar a tua claridade picada
sobre os hemisférios de um tomate.
mas ao alcance
das mãos do povo
regada com azeite
polvilhada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no seu duro caminho.
estrela dos pobres,
fada madrinha
envolvida em delicado
papel, sais do chão
eterna, intacta, pura
como semente de um astro
e ao cortar-te
a faca na cozinha
sobe a única
lágrima sem pena.
Fizeste-nos chorar sem nos afligir.
Eu tudo o que existe celebrei, cebola
Mas para mim és
mais formosa que uma ave
de penas radiosas
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina
baile imóvel
de nívea anémona
e vive a fragância da Terra
na tua natureza cristalina.”
Pablo Neruda
[tradução ad hoc do original em castelhano: Assento da Sanita, 2004]
terça-feira, fevereiro 17, 2004
CONVERSAS COM DEUS I
Mortal (M.)– “Er…Deus? Estás aí? Olá! Um, dois, ah! Senhor? Estás-me a ouvir?
(silêncio)
M. – “ Bem me parecia…Isto não funciona. Estamos irremediavelmente sós. Somos uma fútil criação do acaso. O Universo é um imenso abismo absurdo…
Deus (D.) – Desculpa. Estava a passar pelas brasas. Por momentos pensei que era outra vez a Alexandra Solnado. Fosga-se. Ando mais farto dessa melga. Mas um gajo tem que ter paciência…
M. – “Ah!…És mesmo tu, Senhor?!!... Como é que sei que não é apenas a falta do lítio?
D. – “Então, o que atormenta meu filho?
M. – “Temo que talvez seja um transsexual homosexual… É um duplo pecado”.
D. – “Explica. Um transsexual homosexual???...”
M. – “Sim. Sou uma mulher num corpo de homem, mas sou lésbica. Gosto de mulheres. Tenho dúvidas.”
D. – (Levando a mão à testa e suspirando profundamente.) – “Mas…meu filho, deixa lá isso. Isso não têm importância nenhuma. Temos que ser tolerantes com as minorias. Com as pessoas diferentes… Como te chamas?”
M.- “Pensei que eras omnisciente.”
D.- “Pois é, pois é.Armando. Armando Meireles. Isso. Armando, vai-te foder.
M.- “Senhor!”
D. – “Bom. Vamos lá ver. Armando, tens uma sensação de vazio no recto? Um imenso vazio que precisas de preencher?.”
M. – “Pensando bem…ás vezes sinto, sim, Senhor.”
D. - “Pois bem. Quando andavas na escola, gostavas do cheiro dos balneários e do convívio com os teus colegas?”
M. – “Sim.”
D. – “Quando vais à casa-de-banho costumas reter o cagalhão e voltar a sugá-lo um pouco para cima antes de o voltar a expelir outra vez?”
M- “Às vezes, Senhor…”
D. “Armando. Interessas-te por moda, teatro, decoração, transformismo, musculação?”
M. – “Decoração, Senhor.”
D.- “Tens algum poster do Freddy Mercury na porta da casa-de banho?”.
M.- “Por acaso…tenho.”
D. – “Aí tens! Tú és ...gay! Bicha! Larilas! Agasa-lha Morcelas! Tú não és nada transsexual! Tú és tão só um ganda paneleiro!.
M. – “Sinto um imenso alívio, Senhor! Obrigado! Descobri-me finalmente! Obrigado, Senhor!” (canta, com sotaque brasileiro): “Eu vou ouvir, Obrigado Senhor, pelas estrelas! Agradeço, Senhor!...(…)”.
D. – “Aham. Vê lá como é que te portas. Já te reduzi a conta dos pecados em cinquenta por cento. Agora vê lá. Nada de fistings nem cenas com três rapazes das obras ao mesmo tempo…Desfiles do Portugal Fashion, teatro independente, o Sétimo Céu…ainda é como o outro.”
M- “Obrigado Senhor! Agradeço, Senhor! Vou já deitar fora aquele top leopardo, a peruca e as saias de cabedal! Já não tenho que aturar as minhas amigas da Duque de Loulé! E eu que não me assumia!...Sabes, Senhor? É o peso da educação judaico-cristã que nos reprime. Nascemos logo com uma conta-corrente de culpabilidade existencial e (….)”.
D. – “Deixa-te de merdas. Vai mas é levar no cú e deixa-me ir dormir.
M- “Com certeza, Senhor”.
FIM
segunda-feira, fevereiro 16, 2004
PENSAMENTO
"É melhor ter Alzheimer que Parkinson, pois é preferível esquecer-se de pagar a imperial do que entorná-la"
(Anónimo português do séc XXI)
sexta-feira, fevereiro 13, 2004
ESTA É A PIOR MERDA QUE JÀ ESCREVI
Aníbal olhou para a frigideira e constatou que o lobo frontal do Professor estava mal passado. Nisto de miolos au meunier há que estar com atenção, pois a manteiga pode queimar-se facilmente. A saliva esbranquiçada acumulava-se-lhe aos cantos da boca. Virou dum lado, virou do outro, passou lentamente o pedacinho de mioleira frita no molho de trufas e saboreou longamente. Em seguida, coseu-lhe rapidamente a tampa óssea do crânio e ajeitou-lhe a marrafinha grisalha para ficar tudo em ordem outra vez e mandou-o embora. A cambalear, o Professor dirigiu-se para os estúdios e cumprimentou o jornalista.
-“Que livro vai começar por comentar, Professor?” – Perguntou o jornalista.
-“ Er…bom. Hoje vou comentar a “Autobiografia Política do Professor Cavaco Silva”.
-“Mas esse livro não é um bocado antigo?”
-“Tem aqui umas merdas giras, quer ouvir?” – O jornalista pôs a mão no queixo e um ar atento. O Professor pigarreou.
“Quando eu fui ao Congresso da Figueira levava comigo um saco de figos secos que me tinha dado o meu pai. Mas não desanimei. As grainhas metiam-se-me entre os dentes e o canal cariado do molar esquerdo anterior dava sinal com as coisas doces. Mas não interessa. Lá fui a mascar um figo seco e disposto a salvar Portugal. Quando lá cheguei estava um ceguinho a pedir e eu devagarinho aproximei-me da boina dele e gamei-lhe os trocos - quase todos - pois ainda deixei umas moedas pretas”.
-“Parece um bocado fastidioso. Tem a certeza que se trata do livro certo? – Atalhou o jornalista.
- “Oh, meu amigo! Tenho, tenho. Oiça lá mais um bocado.”- Continuou.
“A frescura do anús de Rosália encantava-o. Gostava especialmente das cócegas que as grainhas dos figos nas fezes de Rosália lhe faziam na glande. Rodou um pouco o vigoroso pénis e constatou que pequenos esguichos merdosos saiam, encaracolando, pelos interstícios entre a saliência da uretra e o esfíncter anal de Rosália que grunhia e revirava os olhos de prazer – mete-mo à bruta na boca, foda-se, Adérito - (…)”.
- “Está a gostar?”
- “Mais ou menos. Não sabia que esse livro era assim tão …er…interessante…”
“Parece que Jesus Cristo secou uma figueira porque estava com fome e a árvore não tinha figos. Eu não concordava com aquilo pois lá na bomba do meu pai sempre tratamos bem as pessoas apesar de os enganarmos nos trocos e vendermos gasolina ao triplo do preço para os carros da repartição de finanças e depois ficarmos com uma percentagem. O que fizera o JC era indecente”.
-Oh Professor, enganou-se no livro certamente…
“Nada. Ouça lá”. – O jornalista suspirou e continuou a ouvir.
“Fui à caixa das esmolas lá em Cabanas de Tavira e roubei os trocos pelas alminhas e depois fui espremer borbulhas para a pia da água-benta como represália por aquilo da figueira e…”
- “Oh Professor, eu acho que os nossos telespectadores já perceberam os espírito do livro. Podemos passar a comentar a actualidade política?”
- “Não senhora. Ouça.”
-“Quando me vim embora do Governo andava tão farto, que emborquei uma garrafa de Figueira de Castelo Rodrigo que me fez mal à vesícula e tive de ser internado numas termas perto de Figueiró dos Vinhos…”
- “Começo a desconfiar que o Prof. Cavaco Silva talvez sofra de um síndrome obsessivo acerca de árvores de fruto de sequeiro…” – Disse o jornalista.
Nisto, o Professor, foi atacado por uma bactéria da meningite que estava à espera da sua oportunidade desde que ele mergulhara no Tejo, já lá vão uns anos quando foi candidato à Câmara de Lisboa e, aproveitando o buraco na cabeça, foi-se a ele. De olhos esbugalhados e a babar-se foi levado hirto do estúdio enquanto passavam um comercial do Tide.
Em casa, o Professor Aníbal Lecter Silva esboçou um meio sorriso enquanto trinchava o pâncreas da mulher-a-dias.
FIM
[Passatempo: descubra qual é um monstro psicopata e canibal?]
quinta-feira, fevereiro 12, 2004
A INFANCIA ÉTNICA
Lello estacionou a Ford Transit amolgada junto a um monte de lixo fumegante onde os seus sobrinhos estavam a brincar. Os petizes divertiam-se, dentro de um alguidar, com um talo de couve, um cagalhão branco de cão meio ressequido e um pacote velho de pesticida. As crianças estavam nuazinhas da cintura para baixo e tinham ranho seco no lábio superior. As faces rosadas estavam cobertas de uma camada acastanhada e meio polida de porcaria. As peladas da tinha pontuavam as inocentes cabecinhas com manchinhas cor-de-rosa, enquanto os piolhos puliravam e eram perseguidos pelas carraças. O Calézinho esperava, coçando as micoses, todos dias o tio Lello, quando este chegava do mercado com as alcatifas. Enxotou as varejeiras e fez um largo sorriso, mostrando os dentinhos podres. – “Ai, tio. Então hoje não me trazes nada? - Disse na inocência dos seus cinco aninhos. O tio, brincalhão, fingiu esconder a prenda atrás das costas e depois brindou o malandrete com uma garrafa de Camilo Alves e um livro pornográfico. – “Quem é amigo? Quem é? Hã? Dá cá um beijinho ao tio!...”. A criança pegou nos presentes e foi entreter-se outra vez para o alguidar.
- “Dá cá isso que te deu o teu tio senão espeto-te este chino que me deu o mê pai”.
-“Ai! Que te fodo já aqui todo se me tiras isso. Isto é meu. Deu-me o meu tio”.
O petiz, dito isto, partiu uma garrafa de cerveja na borda do alguidar de alumínio e ameaçou o outro.
-“ Eu rogo-te já aqui uma praga! Que tenhas um cancro e um acidente. Que morras tuberculoso!”Dá cá isso”.
O outro cuspiu-lhe para cara enquanto agarrava na genitália com as duas mãos e dizia:
- “Olha! Chupa aqui!...”
Ali ao lado, a Dúnia, de onze anos, estava a treinar com a avó a leitura de sinas nas mãos, enquanto o cavalo vomitava numa poça de lama, ao lado da carroça coberta com uns plásticos transparentes, presos com umas molas, onde dormia o bebé de 5 meses, seu filho. A avó também tinha tido um filho já com sessenta e dois anos de idade, de uma gravidez ectópica. Mas tinha-se safado. Talvez o grupo de apoio familiar de duzentas e duas pessoas que acampou junto da Maternidade Alfredo da Costa, com o seu calor humano e solidariedade, tenha dado o incentivo necessário à equipa médica para levar o parto do tiozinho de Dúnia a bom termo. O pobre bebé, mor do problema que tinha, “Down ou lá o que é…”, como dizia a avó, não estava impedida de ser uma criança útil e feliz, que vendia pensos rápidos e a Eva do Natal nos semáforos e apanhava cartão nas horas vagas.
Eram duas da manhã quando foram todos cantar e dançar ao som dos “Ciganos de Ouro”. Eram uns ciganos todos em ouro, mas com um dente normal. As crianças, fumaram quatro macinhos de SG Gigante cada uma, enquanto os pais se riam ou se babavam junto à fogueira, sob o torpor da heroína A assistente social, com falinhas mansas, tentou demover as mães adolescentes de adormecerem as crianças dando-lhes para chupar bolas de trapo cheias de açúcar molhadas em bagaço. Mas não valia a pena. Eram milhares de anos de cultura própria, muito forte e de tradições arreigadas e que afinal de contas havia que respeitar.
FIM.
segunda-feira, fevereiro 09, 2004
NOTA SOBRE MEDICINA ALTERNATIVA
De entre as práticas da medicina alternativa mais estimulantes e eficientes destaca-se a URINOTERAPIA. Consiste tal procedimento terapeutico no uso da própria urina como remédio contra uma pléiade de achaques, que vão desde o simples prurido, ao tumor cerebral maligno. O consumo da própria urina, comprovado pelos cánones da medicina holística ayurvédica, integral, kármica, tradicional tibetana, da macumba brasileira, etc., pode ser praticado por simples ingestão [um belo copázio de urina espumante e fedente bebida com gosto aos golos é muitíssimo salutar, acreditem], banho, gargarejo e o nec plus ultra da terapia é o ...clíster de urina. Esta terapia é muito apreciada pelos consumidores de livros da Maria Costa Félix e só pode ser verdade pois vem nos livros da editora Pregaminho. Concentremo-nos portanto na última prática: o clíster. No caso dos homens, o procedimento até está facilitado, pois é possível divisar um simples engenho que consiste num tubinho de borracha ligando directamente a morcela do paciente ao recto. Assim, qualquer pessoa pode, por exemplo num transporte público ou na bicha das finanças para entregar o IRS, beneficiar da sensação de satisfação proporcinada pelo líquido quente a subir pela tripalahada acima. Corre-se o perigo das remeniscências psicanalíticas das experiências de prazer infantis aflorarem, vindas das profundezas do sub-consciente, à mente do paciente. Assim como quando éramos crianças e éramos acordados dum sonho em que nos aliviávamos dum aperto urinário num sanitário côr-de-rosa, com a maior das civilidades, para depois sermos acordados com a sensação de calor molhado a espalhar-se pelas cuecas, pijama, lençois, colchão... E depois vinha a vergonha de ter de confrontar a nossa mãe com o acidente. Tal experiência perturbadora trará ao plano consciente uma experiência arcaica, que despoletará, como consequência, uma catadupa de libertadoras experiências catarticas e vantajosas para a digestão emocional da neurose. Trata-se portanto, da Psico-urino-terapia, termo que cunhamos aqui pela primeira vez. (É mais uma pequena contribuição para o imenso espólio científico que se vai acumulando no Blog do Assento da Sanita).
Imagine agora o leitor, o efeito dum clíster de diarreia. [Sim, também a diarreio-terapia não existia até este momento].
Neste caso, assumindo que, para existir clistér as fezes terão que passar temporariamente pelo exterior, senão todos nós estariamos permanentemente num estado contínuo de clíster de diarreia. Assim, o procedimento mais prático, voltando à situação hipotética do paciente no transporte público, consiste na liquefação prévia de uma porção de diarreia em água ou urina [a urino-diarreio-terapia!] num daqueles aspersores de trazer ás costas para tratar das árvores de fruto. A mistura deverá ser deixada fermentar pelo menos duas semanas para que o efeito terapeutico máximo seja atingido. Assim, a intervalos de um quarto de hora, o paciente pode dar uma ou duas bombadas da suspensão urino-diarrêica para dentro da tripalhada beneficiando assim dos balsâmicos efeitos das fermentações. Caso haja uma má adaptação do tubo do aspersor ao anús, pode-se dar o caso de uma bombada mais violenta fazer esguichar a mistura para fora, molhando a roupa do paciente. Tal facto não nos deverá preocupar pois a saúde deverá ser a nossa primeira preocupação apesar de ser provável que, cinicamente, alguns dos outros passageiros desatem a vomitar à vista de uma mancha nas calças e da mistura urino-diarreica a descer pelas pernas abaixo, derramando-se nos sapatos. Há que ter mais cuidado neste caso, pois com os balanços do autocarro (ou metropolitano), pois podem dar-se alguns desiquilibrios, o que resultará em quedas sobre as poças de urina e diarreia fermentada misturadas com o vómito. Não obstante, trata-se também de uma oportunidade para recolher uma enorme diversidade de vómitos com inúmeras aplicações terapeuticas. O vómito de esparguete com molho carbonara, o vómito de bêbado com vinho tinto, o vómito com feijões, com açorda, com nervos de bife, ...emfim. A vómito-terapia é uma prática milenar no Industão e os Vedas referem-na já como sendo praticada à quarenta mil anos, em pleno Pleistocénico. Por isso, deve o paciente transportar uma pazinha de plástico para recolher esta mistura no autocarro para posteriores tratamentos e ainda, se tiver tempo, fazer um peditório de cera dos ouvidos entre os passageiros.
Apelo a todos vós que, desencantados pelos médicos e fartos de serem envenenados pelos fármacos, recorrem aos produtos naturais e à sabedoria ancestral para tratar do corpo e espírito.
Aproveito para relembrar que o Piquenicão naturista-crudivorista-urinoterápico será este ano nas Caldas de Monfortinho, onde decorrerá um colóquio sobre os benefícios combinados dos alhos e da argila.
Vejam também a primeira circular (na barra de links), que recolhi no Celeiro ontem, do Congresso Brasileiro de Urino-Terapia. Bem hajam.
sexta-feira, fevereiro 06, 2004
CALDOS CASEIROS
Com o gentil patrocínio do Centro de Recuperação da Toxicodependência “Picar até Fartar”.
A disponibilidade de substâncias enteogénicas, isto é, alucinatórias, psicotrópicas, entorpecentes e euforizantes não se fica por aquelas que os indivíduos de má catadura vendem no Casal Ventoso. O toxicómano amador dispõe de inúmeras substâncias, que apesar de ainda pouco apreciadas no meio, proporcionam experiências interessantes e podem ajudar a variar do fastidioso e enfadonho uso de coisas como o MDMA (ecstasy), a heroína, a cannabis, a cocaína, etc. Fazemos aqui , sem rebuço, um apelo à injecção intravenosa de substâncias, que estando disponíveis de forma caseira, proporcionam “viagens” de deixar o Charles Duchaussois e a Cristianne F. de cara à banda. Esta prática designam-na os habituées, vulgo “agarrados”, por diversos nomes: dar um “caldo”, dar um “bacalhau”, um “chuto” [esta expressão é mais no Telejornal, apesar de já ninguém a usar há mais de 30 anos]. Preferimos “caldo”. Pois bem, garrotes e seringas prontinhas.
Caldo de WC Pato.
Caldo de corrimento amarelado e malcheiroso.
Caldo de ginja “com elas”.
Caldo de cigano (tomar um cigano que não se lave amiúde e raspar a patine de porcaria para uma seringa).
Caldo de anis escarchado.
Caldo de Forza “Limpa Fornos” (anti-arterioesclerose)..
Caldo de cera dos ouvidos com pêlos axilares.
Caldo de caldo verde com rodela de chouriço.
Caldo macrobiótico de miso e chá Três anos.
Caldo de sarro de urinol da Estação da CP do Rossio.
Caldo de Sonasol Bilitrão.
Caldo de vinho do Catujal Tetrapack.
Caldo de água quente com que se depenaram galinhas.
(…)
A lista é interminável.
Ora cá estamos para dar mais um contributo pequeno, mas persistente para o descalabro da Civilização Ocidental.
quarta-feira, fevereiro 04, 2004
ECOS DO PORTUGAL RURAL
Imaginem os dois ou três leitores deste blog um cenário campestre, arcádico; assim mais Silva Porto. Aí têm: uma imagem do Portugal rural de antanho, onde um regato fresco corre sussurrante junto à vaquinha mansa que masca maviosamente umas ervinhas frescas sob o freixo viçoso, enquanto a moça de saudáveis faces coradas, ajeita o lenço na cabeça e lhe aconchega o úbere produtivo para a ordenha. Atrás, a vide carregadinha de uvas túrgidas e maduras brilha sob os últimos alaranjados raios de sol do dia, que se filtram pela folhagem de Outono do carvalho, onde os passaritos pipilam contentes.
Um homem com um capacete atijelado, já muito coçado, passa no seu triciclo motorizado com toldo de lona. A mulher vai atrás, de galochas e lenço na cabeça, no meio dos caixotes de plástico com couves. Ali perto, o Ti Armindo dá uma coça no burro com um grosso talo de couve galega, que guardara especialmente para esta ocasião. O Dr. João, ao ouvir o ruído estridente do poderoso motor de 50 cc do triciclo ajeita-se melhor atrás da árvore onde estava a obrigar a mula a abafar-lhe o nabo. Dois aldeões cruzam-se na horta.
- “Ó Ti Maria!”
-“Uh!?”
-“Vossemecê não tem para aí uma baraça, carago?”
-“Baraça não, mas este arame ferrugento que estava ali naquela bosta cheia de tétano não lhe serve?
-“Dê cá isso, então.”
-“Então o sê filho parvo ainda anda atrás das galinhas lá do quintal, Ti Maria?”
- “Nem me diga nada. Tenho que o deixar de prender no galinheiro como o Sr. Prior disse para fazer. Andam-me os bichos a cagar os ovos todos cheios de gosma”.
-“Atão e as couves já estão pegadas?”
Nisto, passa um citadino que sai do carro com um largo sorriso e saúda os aldeões como se fossem atrasados mentais.
-“Atão, minha senhora? Tal vai a criação? Olhe, sabe-me dizer onde é que se come bem e barato, assim aquela comida caseira, com o belo enchido do porco do quintal e a pinga do campo?”
Os aldeões entreolharam-se.
-“Pode ir ali ao Pizza Hut, no adro da igreja ,se quiser…É que na tasca do Jaquim ele não tem nada para comer. Só uns Sugus de morango velhos e já muito secos ou então umas batatas fritas Pala Pala transparentes. Se for para beber uns copinhos dele, carago, isso pode ir à confiança. Inda outro dia apanhei lá uma camisola! Puta que pariu! Cheguei a casa e fodi os cornos da mulher com a sachola. Nem sabia o que fazia!... Vá à confiança, digo-lhe eu. Peça assim uns traçadinhos de morangueiro com BB. ”
A vaca do Ti Matias tinha bosta seca agarrada à cauda e à parte de trás das patas traseiras. Lá na vacaria onde o dono a ordenhava, as vacas tinham bosta até à barriga. Os animais para andar, desenfiavam uma pata, à vez, com um sonoro “schloc” repenicado por causa do chorume rico em urina que empapava o manto de bosta e, avançando uns centímetros voltavam a penetrar com o casco hesitante o metro e dez de fezes bovinas, repetindo tudo de novo, desta vez com as patas dianteiras. As bilhas de chapa zincada, onde o leite era recolhido, estavam cheias de pegamassos secos de bosta e clostro amarelado daquele leite gordo, daquelas vacas acabadas de parir.
Zé das Ovelhas, que era o pastor e meio fraco da cabeça, entrou na vacaria e disse para o Ti Matias:
-“Ti Matias, acabei de pegar fogo à Serra. Aquilo é que vão para lá labaredas, carago!”
-“Ah, marafado, que vem já aí o Presidente da Câmara de helicóptero!. És um néscio, rapaz!
O grito do Matias foi tão alto que o leite das vacas secou-se-lhes. O Ti Matias desatou a pontapear a Mimosa com quanta força tinha.
-“Esguicha lá o leite, minha puta! Que vem aí o homem da Lacticoop às três da tarde!”
A vaquinha olhou-o com uns olhos mansos e grandes, mas continuava sem dar o alvo néctar para o balde ferrugento.
Matias não hesitou, foi-se o Quim, o boi e, desatou a ordenhá-lo freneticamente.
-“Ah, porra, se as vacas não dão leite hão-de dar os bois!. Dão é menos leite e muito mais trabalho a ordenhar, porra…”.
O Zé das Ovelhas entretanto já se tinha atracado, por trás, à Mimosa, que de abafar morcela tão exígua, se queixava- “Muuu…”.
Ao longe, a Serra brilhava com o fogo e as luzes dos bombeiros, enquanto os aldeões corriam histéricos e de braços no ar: “Acuuudam! Queremos um subsídio!”
FIM
segunda-feira, fevereiro 02, 2004
CRIME E CASTIGO
Aurélio Raskolnikov entrou na padaria e pôs-se na bicha. A loja estava cheia e os velhos desocupados do costume diziam larachas à padeira. Um cãozinho com uma roupinha estava preso à trela, entretido a defecar no canto, enquanto um rapaz meio deficiente mental falava aos gritos sobre uns que tinham sido esfaqueados na Estação de caminho de ferro de S. Petersburgo. Uma velha contava os cêntimos já ia para 25 minutos duas pessoas à frente de Aurélio Raskolnikov. – “Bom. Já não falta muito”. Pensou. Nisto, pelo canto do olho, viu uma velha de cabelo pintado de roxo e xaile pelos ombros a pôr-se ao lado dele devagarinho. – “Esta deve estar a tentar dar o golpe”. E ficou de olho na velha. A velha deu mais um passinho e lentamente foi-se pondo à frente de Aurélio. Duas mulheres, de bata às flores, galochas cortadas a fazer de chinelas e cabelo lambido, discutiam sobre qual é que tinha chegado primeiro. A velha de cabelo rôxo entretanto já tinha passado à frente de umas cinco pessoas, caladinha. A padeira perguntou quem estava a seguir. A velha atalhou que “queria seis carcaças e …”. Aurélio não aguentou mais e sacou do machado que trazia escondido no forro do casaco e pôs-lhes os miolos sol. O sangue esguichou, cobrindo toda a gente e as paredes, enquanto os miolos da velha escorriam para cima de um cesto de vianinhas e o cão se refastelava com a mioleira fresquinha. A velha, veio-se a saber, era uma agiota sem escrúpulos que explorava os estudantes de Filosofia lá do Bairro, especialmente os nihilistas da “Ler Devagar”. – “Esta velha andava a pedi-las”. Comentou um agarrado, mostrando os dentes podres. Toda a gente deu palmadinhas nas costas de Aurélio Raskolnikov, dizendo que a velha já há vinte e três anos que tentava passar à frente de uns quantos todos os dias e que finalmente tinha conseguido mas, tinha tido o seu castigo. A padeira pesou umas broas – “São dois rublos, se faz favor, minha senhora” - e Aurélio foi para casa com o talego de pão quente – oferta da casa- numa mão e o machado a pingar sangue na outra.
FIM.